Ser um álbum de destaque dentro de uma discografia como a do Black Sabbath não é tarefa fácil. Afinal, estamos falando de uma banda que gravou vários clássicos do heavy metal, alguns em seqüência, além de ter brilhado com diferentes formações. O que se poderia esperar de uma reunião de Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward com aquele que é considerado um dos melhores vocalistas da história do rock (pra muita gente, o melhor)? Bem, a adição de Ian Gillan ao Sabbath criou um dos maiores ‘dream teams’ que o metal já viu e, por isso mesmo, o que se esperava era um sucesso estrondoso e absoluto.
Ian Gillan estava se despedindo de sua carreira-solo, marcada por excelentes trabalhos mas que não obtiveram nenhum sucesso comercial e que não conseguiam atingir um público maior. O “Silver Voice” jamais escondera que sua real intenção era um retorno com o Deep Purple, difícil também àquela época, já que Ritchie Blackmore estava bem ocupado com o Rainbow. Eis que após um encontro num bar e alguns goles a mais (alguns não, vários goles a mais), Gillan, Iommi e Butler viram uma excelente possibilidade, que era o Black Sabbath com Gillan nos vocais. Após tudo acertado, a banda entra em estúdio e em agosto de 1983 lança o álbum “Born Again”. A princípio, não parecia que a coisa pudesse dar errado. O álbum já saiu direto no quarto lugar da parada britânica, melhor resultado comercial do Sabbath em muitos anos. Mas não foi exatamente o que aconteceu com o passar daqueles meses que se seguiram. Uma turnê não muito bem sucedida, o mal estar de Gillan no posto de vocal do Sabbath, críticas de vários fãs, sobretudo os mais radicais, fariam com que aquela reunião não tivesse continuidade e que os envolvidos passassem a considerar que aquilo tudo, incluindo-se o próprio “Born Again”, havia sido um grande equívoco.
Bom, após relembrar e entender o que rolou naquele período, vamos analisar o álbum em si. Existe uma corrente forte que afirma que “Born Again” tem poucos fãs pelo mundo e que, inclusive, boa parte deles estaria aqui no Brasil. Para alguns, tudo relacionado a esse trabalho serviria de motivo para críticas e implicâncias. A capa do disco é uma das mais criticadas e ridicularizadas da história do metal. Olhando ela hoje, realmente fica difícil defender aquela gravura. Mas se toda a crítica que se faz a esse álbum fosse resumida à capa, estaria tudo bem. O negócio é que muita gente criticava todo o resto: os videoclips gerados a partir de músicas do álbum que, pra muita gente, representaram algo ridículo e constrangedor para a banda. A turnê de divulgação, o setlist, a irritação que Gillan provocava em alguns, sobretudo nos mais radicais, com suas tentativas de impor o seu estilo pessoal às canções mais antigas da banda, principalmente nas da “fase Ozzy”, até mesmo o “sacrilégio”, na visão de alguns fãs, que foi incluírem “Smoke On The Water”, clássico do Purple, num setlist do Sabbath. Bill Ward, completamente impossibilitado de sair em turnê, acabou sendo substituído pelo competente Bev Bevan. Agora, se você reparar bem, tudo o que eu citei foram acontecimentos relativos àquele período. Mas e o principal? E as músicas do álbum em si? Afinal, não é isso o que realmente conta?
Bem, o Sabbath sempre primou pelo peso em toda a sua obra. De todas as características da banda, a que mais salta aos olhos é que a banda sempre soou muito pesada. E se houvesse um campeonato para ver qual álbum da banda é o mais pesado, “Born Again” ganharia o primeiro lugar fácil, fácil... É de impressionar até hoje a agressividade desse disco. A pancadaria começa com “Trashed”, uma daquelas porradas em que se leva um tempo até entender o que aconteceu. A assustadora “Disturbing the Priest” pode pegar de surpresa aquele menos atento, com o peso da guitarra de Iommi e os berros desesperados de Gillan. Como não se lembrar e não se empolgar com “Zero the Hero”, além de outras porradas mais do que pavorosas e diretas, como “Digital Bitch” e “Hot Line”. A banda só pegaria mais leve em duas músicas, a belíssima e emocionante “Born Again” e em “Keep It Warm”. Completando o álbum com “Stonehange” e “The Dark”, o resultado final em termos de composições é um dos melhores trabalhos já realizados pelo Black Sabbath em todos os tempos. Não era simplesmente um bom resultado em termos de pegada, de agressividade, era também um grande disco em termos de arranjos, harmonias e melodias. Os músicos todos em um ótimo momento (mesmo com os problemas de Bill Ward) e Ian Gillan entregando ao mundo o que muita gente considera o melhor trabalho vocal de sua carreira. Calma, antes de se revoltar comigo, o que estou dizendo é apenas uma afirmação de vários fãs do Sabbath, do Purple e do próprio Ian. Se a afirmação procede, é uma questão de avaliação de cada um. Agora, que a performance de Gillan nesse álbum é uma das coisas mais impressionantes já vistas no heavy metal, isso não há como negar. O cara parecia estar possuído, executando vocais matadores, notas altíssimas e gritos absolutamente desesperados. Cantou tudo o que sabia e mais um pouco. O grande ponto baixo em termos de sonoridade nesse trabalho está na sua produção e mixagem, que deixou o som abafado e, em certas partes, até meio embolado. É sabido que um amplificador de Tony Iommi queimou já no início das gravações e ninguém se deu conta disso até o fim da mixagem. Entretanto, esses deslizes parecem até ter contribuído para o clima pesado e agressivo de “Born Again”.
Hoje, os músicos afirmam não gostar do álbum, dizem que aquela reunião não deu certo, que ‘não rolou a química’. Na minha opinião, esse álbum de 1983 foi um dos melhores momentos do metal oitentista e do heavy metal como um todo. Como seria bom se outros álbuns desse nível chegassem ao mercado nos dias atuais. “Born Again”, ainda que de maneira torta e com várias críticas no seu encalço, pode, e pode muito, ser considerado um clássico, coisa que muita gente já o considera, mas normalmente deixando-o num nível diferente e um pouco abaixo de outras obras clássicas do Black Sabbath. Por isso mesmo, ostentando o status de ‘clássico’ para muitos, de ‘cult’ para outros e de um equívoco para alguns, esse é um disco cuja qualidade supera em muito a receptividade que teve e a importância e reconhecimento que realmente sempre mereceu.
Por hora, se você tem o álbum, coloque-o pra tocar aí onde estiver. Se não tem, vá correndo comprar ou pegar emprestado com alguém. Agora, em ambos os casos, balance a cabeça até o pescoço não agüentar mais, ao som de “Trashed”, “Disturbing the Priest” e etc. Depois mande a sua opinião sobre essa obra mais do que injustiçada.
Vi no Whiplash!
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